quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Entrevista

Duas mulheres sentadas numa sala, ambas formalmente vestidas, uma mesa as separa e impõe um abismo entre elas. Elas já falaram sobre a empresa, o resumo da vaga, a entrevistada já fez um detalhamento pormenorizado explicando tudo aquilo que está escrito em seu currículo.

Entrevistadora: Eu tenho algumas perguntas da última fase da entrevista. Eu gostaria de saber qual você considera a sua maior qualidade e o seu pior defeito.

Entrevistada: A resposta é uma só: eu sou perfeita!

Entrevistadora: Desculpe?!?!?!?!

Entrevistada: Bom a minha maior qualidade é que eu sou perfeita. Logo, eu não tenho defeitos, não é mesmo?

Entrevistadora: Você realmente acha que é perfeita?

Entrevistada: Se eu achasse, eu não seria perfeita. Não é mesmo? Eu tenho certeza.

Entrevistadora: Claro, claro! Ahh... a nossa próxima pregunta é: porque nós deveríamos contratá-la?

Entrevistada: Ora, meu bem, se você mesma não sabe... complicado, né? Já inventaram terapia corporativa? É uma ideia legal vocês fazerem, pra entenderem melhor quem são, onde vão e porque querem contratar pessoas. No geral eu acho que eu ser perfeita já é em si razão suficiente para que vocês me contratem; mas se isso não é suficiente pra vocês, eu acho que você devem me contratar pelos meus lindos olhos verdes.

Entrevistadora: Sim, sim. Mas porque você procurou particularmente a nossa empresa?

Entrevistada: O motivo de eu estar aqui é basicamente auto explicativo.

Entrevistadora: Desculpe, eu não estou acompanhando.

Entrevistada: É que... não é bem assim. Veja bem, particularmente é uma palavra muito forte. O que acontece é que eu preciso de um emprego e vocês estão oferecendo um emprego. Eu estou pedindo um valor X e vocês estão pagando X + 1. Eu preciso continuar explicando ou você entendeu agora...?

Entrevistadora: Vamos para a próxima pergunta. Quando foi a última vez que você sugeriu alguma mudança para a empresa? Explique em detalhes.

Entrevistada: Meu bem, eu trabalho com melhoria contínua. O que significa que faz parte da minha atividade diária sugerir mudanças para as empresas em que estou. Eu fiz isso todos os dias em que trabalhei pelos últimos 4 anos. Quantos séculos você possui pra eu ficar aqui te contando?

Entrevistadora: Uhn. E quando foi a última vez que você fez alguma coisa fora do ordinário para um cliente?

Entrevistada: Ah... acho que foi quando eu fiz um ménage, com o gerente de compras do cliente e a esposa dele, há uns 3 meses atrás. Afinal, boquete já não é mais fora do ordinário, né? A gente faz sempre. Inclusive, eu sempre digo que o tubo de KY deveria fazer parte do EPI obrigatório que a empresa fornece pra gente. Aqui faz?

Entrevistadora: Ah... e... bom... eh...

Entrevistada: Você precisa de ajuda? Eu posso ler o seu roteiro de entrevista e ir respondendo tudo. Dá aqui.

Rouba o roteiro da mão da entrevistadora.

Entrevistada: Onde você se vê daqui 5 anos? Em Ibiza, na praia, tomando um sol e enchendo a cara.
Você se importa em viajar a trabalho? Claro que não, eu A-DO-RO viajar!
O que é mais importante, pra você, que uma empresa ofereça? Uhn... deixa eu ver. Poucas horas de trabalho e muita grana.
Opa... acabou! Toma aqui de volta. Acabou?

Entrevistadora: Sim, sim. A senhora tem alguma dúvida.

Entrevistada: Sim, quando eu começo?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Crônicas Cotidianas - Volume 1

- Você realmente não sabe onde nada fica nessa casa, né?

- Claro que eu sei. Você que insiste em mudar tudo de lugar pra eu não achar...

- Há anos que as travessas de inox ficam no armário à direita do fogão e eu encontrei uma no armário de pratos. Ela deve ter vindo voando pra cá.

- Foi um leprechaun.

- Nós não estamos na Irlanda.

- Escócia, Irlanda, eles são todos ruivos e bêbados.

- Uhn... 

- Você viu a minha jaqueta de couro?

- Achei que você soubesse onde fica tudo nessa casa.

- Eu sei perguntar pra você, ué? E aí você responde e eu sei onde está.

- Pendurada no seu guarda roupas... onde mais poderia estar?

- Sei lá. Esses dias achei uma calcinha pendurada no lance das toalhas. Se ela foi parar lá, a minha jaqueta também podia.

- Você está reclamando das minhas calcinhas???

- Eu não disse isso, pare de inferir as coisas.

- Eu não estou inferindo nada. Eu sei ler as entrelinhas. É melhor que você comece a lavar as suas cuecas também.

- Eu não quero começar uma briga por causa disso. Vou pro quarto ver TV.

- Bom mesmo. Some e se enfia no quarto enquanto eu coloco a porra da sua cueca na máquina, e limpo e lavo e faço o caralho... Cadê você? Cadê você? Puta que pariu... além de tudo me larga falando sozinha.

5 minutos depois

- Você sabe onde está a minha carteira?