terça-feira, 4 de junho de 2013

A despalatabilidade escocesa

Toda vez que me perguntam se está tudo bem, se estou feliz, se isso. se aquilo; a resposta é sempre a mesma. Claro que está, mas sinto muita saudade da família, dos amigos e da comida! Não vou nem entrar no mérito da saudade das pessoas queridas, pois isso geraria muitas lágrimas e realmente não tô na pegada de chorar. Então vamos falar do meu assunto favorito: comida!

Quando você mesmo cozinha

Pra começo de conversa, o Jamie Oliver mentiu pra você. Ele e e todo mundo no Food Network (é, você leu certo, tem um canal só de programa de culinária por aqui. Todas as 24 horas do dia ensinando a cozinhar). Fácil é cozinhar no Brasil, em que você vai ao mercado e sabe comprar os ingredientes. Cada um dos ingredientes. 

Agora, pense que você resolveu fazer um simples estrogonoff (como 'e' no começo, pra ficar bem brazuca). Você vai ao mercado comprar os ingredientes e descobre abestalhado que existem 5 tipos de creme de leite, nenhum deles numa latinha. É... single cream, double cream, half and half cream, whip cream, crème fraîche (sim, em francês mesmo) . Todos eles são frescos. Traduzindo para quem não entende de creme de leite: nenhum é igual ao que temos no Brasil. 

Você escolhe um depois de 30 minutos e se move pra comprar a carne. Apenas para descobrir que a vaca aqui é outra, geneticamente modificada e sem picanha. Só pode ser com aquele monte de nome estranho. Mas filé é 'filet' e você manda ver. Beleza. Próximo na sua lista: batata palha.

Pra sua sorte a Fernanda já passou esse perrengue da batata há anos e te contou que é "shoe string potatoes"... boa sorte para encontrá-las no mercado. Chega a vez do arroz... ah... o arroz: basmati rice, risotto rice, long grain rice, japanese rice, arborio rice... isso porque eu não comecei nos coloridos ainda, que você já descartou da lista por saber que a sua mãe nunca faria arroz preto com estrogonoff.

Honestamente, cada vez que fui ao mercado no último mês eu me senti meio debilitada nas minhas faculdades mentais. Dizem que esse tipo de esforço mental, de sair da zona de conforto, combate o mal de alzheimer. Ando muito combativa ultimamente.

Ai você diz: 'ahhh, mas você pegou pesado. Cozinha algo mais normal'. Boa sorte pra achar feijão colega. Acho que existe um pânico nacional da panela de pressão ou sei lá. O fato é que ninguém as possui e elas custam caríssimo por aqui. Resultado: lembra da Campbel's do Andy Warhol? Eles fazem feijão em lata também, normalmente eles colocam açúcar no lugar do sal, nada de louro, nada de bacon, esquece paio.

Só que tudo isso tem derivações infinitas e muito complexas e você que saiu do Brasil pensando ' é... caqui e caju vai ser difícil' vai descobrir que na verdade frutas exóticas são impossíveis; frutas tropicais (tipo banana, manga e abacaxi) você come meio verde, mas até acha; queijo você pode começar a gostar de cheddar (que é muito bom e que na verdade no Brasil nós não temos cheddar) e carne... bom, dava pra eu começar um outro post só sobre a carne.

Se você tem a sorte de ser vegetariano você escapou do quesito carne, do contrário a coisa pega. A carne aqui é muito boa, bem saborosa - isso porque os nativos dizem que comprar carne no supermercado (onde eu compro por ser muuuuuuuito mais barato) é inadmissível. O problema é que é cara, muito cara.

Outro problema é que eu ainda num aprendi o mapa das duas vacas pra saber comparar. Eu aprendi que kibe cru se faz com "patinho bem limpo moído duas vezes". Vai procurar o little duck e aposto que volta com um pato de verdade pra casa. E a picanha? o que eles fazem com a picanha? Tá lá... junto com a alcatra no meio do tal do sirloin. Um desperdício. Mas eu ainda não desisti, tem um restaurante brasileiro aqui, logo: algum açougue nessa cidade tem o meu mapa da vaca. Eventualmente eu acho.

Junto com a picanha coloca o coração de frango e a linguicinha. Tipo, eles não comem coração de frango. Eles comem intestino de ovelha, mas coração de frango não. Então vira tudo comida congelada ou sei lá. E a linguiça???? Tem muito gosto de porco, realmente ela parece ser mais natural e saudável e ter menos papelão dentro. Só que descobrir que não gosto de porco, porque não gostei de nenhuma linguiça até agora.

Mas enfim, reclamar da falta das coisas que comemos no Brasil é um tópico infinito e eu nem vou me prolongar muito mais nele ou ficarei aqui pra sempre. Vamos aceitar que fui ao mercado e comprei tudo e voltei pra casa pra cozinhar. Fiz tudo igualzinho ao Brasil e o resultado: absolutamente diferente! Ah! 

Cozinhar é uma arte muito química e quando você muda todos os ingredientes, mesmo que só um pouquinho de nada, não tem como obter o mesmo resultado. Né? Isso quando a pessoa não queima a casa toda pra fazer carne com batatas.

Quando o restaurante cozinha

Enfim, você ficou puto(a) com a sua comida e resolve ir comer fora. Shi... olha, comida escocesa tradicional é pra heróis. Black pudim e haggis, dá um google ai e me diz se você teria coragem? Eu me arrisquei e não gostei. Mas, existem vários restaurantes italianos, japoneses, espanhóis, portugueses, chineses. Uhn... eu juro que nenhum restaurante japonês na Escócia serve as mesmas coisa que no Brasil. Nem o peixe cru é igual. Nada.

Claro que com o tempo você vai achando a sua praia, descobre os restaurantes que curte, descobre mais da comida local e vai se integrando ao meio. Só que eu ainda não cheguei nessa fase, ainda estou na fase do choque cultural e sinto falta de sal e azeite de oliva na minha comida. 

E os escoceses, comem o que?

Comem mal... OPS! Desculpem. Os escoceses, que por mais que não queiram continuam sendo parte integrante do Reino Unido, em geral sucumbem à paixão nacional mais estranha que já vi: 'Marks and Spencer'. Que nada mais é do que o supermercado mais de preguiçoso que eu já vi na vida.

Imaginem corredores e mais corredores de comida pronta! Rolinho primavera, lasanha quatro queijos, haggis, pense um prato (menos comida brasileira, não apela) eles têm. Mas não é comida congelada, é comida pronta sem congelar. E simplesmente todo nativo AMA o M&S. Não que a comida seja ruim, pelo contrário, ela é muito boa no geral. Mas eu gosto de cozinhar e num vejo graça nenhuma naquilo.

E tem um detalhe sórdido, essas crianças acordam super cedo e tomam um café surreal. Não estou falando do English/Scotish Breakfest que esse é realmente para ser consumido no pub. Mas eles fazem ovos mexidos, chá, torrada, feijão doce tirado da lata e o diabo logo cedo. E, na hora do almoço o que eles comem? Sanduíche ou salada que compram prontos e que todos os supermercados vendem (não apenas o Marquito). Preferencialmente na mesa sujando o computador.

A minha latinidade não me permite fazer isso. Eu tenho sangue italiano, espanhol e português nessas veias pra começar um crime dessas. A saladinha até vai, mas eu preciso sair da mesa, tomar um ar, ouvir os pássaros, falar merda com os colegas... sentar numa mesa e ter o prazer inenarrável que é comer. Aqui eu ainda não trabalho, então não sofro com isso, mas em breve serei daquelas 'gringas' estranhas que vão comer fora todo dia.

Mas não tem nada de bom?

Opa, se tem.

Primeiro o meu novo e recém adquirido vício: shortbread. Shortbread é uma bolacha/biscoito com quantidades colesteróicas de manteiga e açucar. E piora muito porque ainda existe o millionaire shortbread que compreende a mesma quantidade colesteróica de manteiga e açúcar, mas agora com caramelo no meio e cobertura de chocolate. É dos deuses!

Outra, o chocolate. Putz! Num faz calor aqui, então não tem gordura hidrogenada no chocolate. Você coloca eles na boca e eles derretem. Uhn... Nhamy!

Não posso esquecer do leite. Lembra do leite de saquinho, que não era igual ao de caixinha? Pois é, aqui eles até vendem o leite UHT, mas no geral p leite é fresco e isso muda um pouco o sabor. E eu não sei se é consequência direta desse fato, mas tendo a acreditar que sim, os laticínios em geral são muito bons. Iogurte grego aqui é daqueles que tem que chocalhar a colher pra ele soltar. Divino! 

Ainda mais quando você pega o iogurte grego batido com mel e coloca um monte de berry dentro. Strawberry, blueberry, raspberry, cherry, black cherry, blackberry... todos gigantes e muito doces. Vai colocando todos no balde e se esbalda. Algum benefício tinha que ter abrir mão do caqui e do cajú, né?

Mas, voltando aos derivados de leite, os queijos são bons e o tal do feta até que engana a saudade do meu queijinho minas. Pena que ainda não achei provolone em Aberdeen e provolone é simplesmente o meu queijo favorito, mas eu vou achar. 

Enfim, já estou salivando de tanto falar de comida. Vou lá no mercado lutar pra conseguir comprar tudo certo. Quem quiser lugar no meu sofá já sabe: paçoca, cachaça, feijão, carne seca, paio, picanha... a gente aceita várias formas de pagamento aqui em casa.


PS aos brasileiros perdidos na Escócia - o mais próximo ao que no Brasil chamamos de creme de leite é o double cream. Quanto ao arroz, só não compre o arroz de risotto, o de paella e o japonês que os demais irão funcionar para fazer o 'arroz soltinho da mamãe', mas eu achei o long grain rice o mais parecido com o nosso.


3 comentários:

Rosa Colombrini disse...

Bárbaro. Divertido. Envolvente. Muito bacana.

Maíra Colombrini disse...

Você é linda, mommys!

dedalapa disse...

Adorei!! Eu que virei Dona de Casa de vez agors(marido q viaja mt, entao desisti de trab, pelo menos por aqui. P trab mt e ganhar pouco, fico em casa e economizo no q posso). Entao cozinho sempre e meu marido AMA cozinhar e como ele faz as vezes so, capricha mt e tem aqueeela paciencia. Outro dia tentou improvisar esse creme fraiche, p fazer um cheesecake! Quase morri de rir aqui qdo li o nome do tal creme!hihihihih.
Me divertindo demais aqui c seu blog!!!
Estou esperando as respostinhas dos outros posts, hein?
bjs